quinta-feira, 1 de setembro de 2016

AMIZADE: SENTIMENTO QUE PODE ESTREMECER NO TEMPO, MAS SE FIXA NA HISTÓRIA


Numa manhã de domingo, estava me preparando para uma celebração eucarística quando recebi um telefonema, no qual fui informado da morte de um grande amigo de infância e de seu sepultamento que seria no entardecer do dia seguinte. Durante o resto do dia e a noite até a hora de dormir, não pude deixar de lembrar de nossa amizade.

Ela teve início quando cursava a 7ª série do ensino fundamental, no ano de 1973, no Ginásio Santana, atual Colégio Cenecista. Ele tinha 14 e eu 15 anos. Tornamo-nos amigos logo no início do primeiro semestre. Sentávamos lado a lado na sala de aula e sempre, quando havia trabalho em equipe, participávamos do mesmo grupo... Na escola, mesmo no intervalo (recreio), nossos assuntos se limitavam mais aos estudos.

Fora do Ginásio Santana, encontrávamo-nos, vez ou outra, no cinema, e, mais frequentemente, de segunda a sexta-feira, no escritório de contabilidade de propriedade de seu pai. O escritório ficava na rua Dr. Arsênio Moreira Silva, próximo à Prefeitura Municipal, onde seu pai trabalhava como tesoureiro. Em função dessa atividade pública, meu amigo ficava o período da manhã no escritório.
O escritório era o lugar ideal para fazermos as atividades da escola; resenhávamos, falávamos sobre as garotas do Ginásio, jogávamos dominó, cartas, ximbra (no quintal da casa onde ficava o escritório)... De vez em quando, comprávamos sorvetes da “Maguary” (ainda me lembro do nome) e fazíamos uma verdadeira festa.

Veio-me à memória uma enorme goiabeira que existia no quintal de uma das casas vizinhas do escritório. Suas folhagens ultrapassavam o muro e “invadiam” o quintal da casa onde funcionava o escritório. Quando havia goiabas maduras, subíamos no muro e invadíamos a goiabeira do lado do quintal vizinho para “colhê-las”. Só que a dona da casa, uma senhora já de idade, possuía um papagaio que nos denunciava... – “Ladrão! Ladrão!” Ela, a senhora, aparecia então com um cabo de vassoura e, literalmente, expulsava-nos do quintal. Não ligávamos para esse “imprevisto”; ao contrário, até provocávamos essa “expulsão”...

No segundo semestre de 1974, nossa amizade foi bruscamente interrompida. Uma de minhas irmãs casou-se com um de seus irmãos, a contragosto de sua mãe. No primeiro dia da aula, após o casamento, quando me dirigi a ele, simplesmente, calou-se e saiu da minha presença. Essa atitude me deixou imensamente decepcionado. Naquele ano, não nos falamos mais. Compreendi que o problema não estava nele ou em mim, mas na questão criada pela sua família que não aceitou a união de minha irmã com seu irmão. Concluído o ano, fui residir em São Paulo e ele foi estudar em Maceió.
Em janeiro de 1977, retornando a Santana do Ipanema, no período de férias, encontrei-o, à frente do “Cine Alvorada”, enquanto aguardava para assistir a um filme. Não existia mais aquela afinidade da adolescência. Não por causa do problema de família, mas pelo fato de termos nos distanciado geograficamente. Sem nenhum contato, nossa amizade foi se esvaindo...

Falei com ele e ele respondeu sem problemas. Conversamos ligeiramente sobre nossos objetivos escolares e sociais... Depois fomos cada um para o seu lado.

Voltei a encontrá-lo mais de trinta e cinco anos depois, quando já tinha me tornado sacerdote. Esse encontro foi também em Santana do Ipanema, por ocasião de um evento do qual participei. Nossa conversa foi amigável e rápida... Notei, tanto da parte dele, quanto da minha, que o tempo foi quem se encarregou de fragmentar nossas afinidades, cumplicidades...

Na manhã do dia seguinte, fui a Santana do Ipanema e me dirigi ao local onde seu corpo estava sendo velado. Diante do seu corpo frio, no meu pensamento, com a velocidade de um raio, passou como que num “filme” todas nossas aventuras da adolescência... Pensei: “O tempo, o espaço geográfico e as decisões individuais e coletivas, podem até ‘minar’ ou destruir uma amizade, mas nunca a história dos bons momentos de uma vida!” E continuei: “Deus lhe dê o descanso eterno, meu amigo!”
Entreguei-o a Deus!

Retirei-me e fui cuidar de minhas atividades.

[De minha autoria]

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